Em setembro passado, o Magazine Luiza lançou um programa de trainee focado em pessoas negras. A decisão “quebrou a internet” para o bem e para o mal; houve quem comemorasse o feito e, ao mesmo tempo, também quem criticasse a iniciativa. Foi um catalisador para o tema da diversidade nas empresas voltar à pauta.
A ação tinha um propósito maior: equalizar oportunidades. Isso porque a gigante do varejo identificou que 53% do seu quadro de funcionários estava formado por pessoas negras, mas apenas 16% eram líderes.
Em entrevista à revista Época Negócios, a diretora-executiva de gestão de pessoas do Magazine Luiza, Patrícia Pugas, afirmou que essa era uma das iniciativas para resolver a baixa representatividade de negros na liderança da empresa.
Entretanto, essa baixa representatividade não é um caso isolado da gigante do varejo. Uma pesquisa da consultoria Talenses com o Insper aponta que há apenas 5% de profissionais negros na presidência de organizações do Brasil. E estes números alarmantes também se estendem para outros grupos sub-representados: LGBTQIA+, mulheres, pessoas com deficiência (PCD), entre outros.
Diversidade e inclusão (D&I) se tornou uma pauta importante no meio empresarial. Além de ser uma maneira de promover a justiça social, a D&I permite que a empresa crie mais impacto e tome decisões pensando em públicos mais amplos.
“Permanecerão competitivas e relevantes no futuro as empresas e marcas que conseguirem se adequar ao novo paradigma”, explica Pri Bertucci, CEO da consultoria [DIVERSITY BBOX].
Segundo ele, a falta de transparência e de um posicionamento que vá de encontro com os avanços sociais tem consequências graves para empresas, “como os ‘cancelamentos’ que temos presenciado ultimamente e até mesmo o boicote de fato por parte do público”.
Embora o assunto esteja um pouco mais consolidado em multinacionais, o tema começa a ser empregado nas pequenas e médias empresas (PMEs) também. Como se trata de empresas com estruturas menores, a tecnologia pode exercer um papel fundamental para garantir a D&I.
Diversidade nas empresas: como trabalhar a equidade e a representatividade
O caminho para promover diversidade e inclusão não é simples, já que requer muito esforço corporativo.
A primeira ação que as empresas podem tomar é analisar aspectos demográficos do quadro de funcionários e fazer um diagnóstico a partir deles. Esta análise pode ser realizada por meio de um conceito chamado people analytics.
O que é people analytics?
O people analytics emprega a análise de dados à gestão de pessoas. No caso da da promoção da diversidade nas empresas, esta análise pode ser realizada por meio da identificação de perfis étnicos, diversidade de gênero e idade dos funcionários, e também pode servir para checar remunerações e se elas estão sendo igualitárias.
Com o uso de ferramentas de BI, transforma-se os dados disponíveis no setor de recursos humanos em insumos para entender o quadro atual da empresa e, em seguida, tomar ações.
Outro passo importante é se conectar a especialistas e protagonistas da diversidade.
“Com eles, vamos aprender a transformar nossa empresa em um espaço seguro para que nossos colaboradores possam se manifestar, com liberdade, para ser quem eles são”, defende Ronaldo Ferreira, da Agência um.a, destaque no Fórum Diversidade Exame por promover iniciativas de inclusão.
“Isso tudo é possível quando provamos que a soma das diferenças oferece abundância de soluções para a empresa e para os colaboradores.”
Também é importante que as lideranças estejam engajadas na mudança e na promoção da D&I. Quando o exemplo vem de cargos mais altos, as pessoas também acabam se inspirando pela forma de conduzir dos seus gestores e líderes.
Diversidade e inclusão no recursos humanos (e como a tecnologia pode colaborar)
Abaixo selecionamos as principais áreas em que a tecnologia pode ajudar na promoção da diversidade nas empresas.
Aquisição de talentos
Se o objetivo é construir equipes diversas, a aquisição de talentos é a porta de entrada nas estratégias de D&I. Para isso, é necessário que o RH, especialmente o time de recrutamento, esteja bastante sensibilizado sobre a importância de construir uma equipe diversa.
No entanto, é muito importante ter em mente que, por mais que o recrutamento pareça objetivo, há uma característica que muitas vezes barra as contratações inclusivas: trata-se do viés inconsciente, ou seja, as manifestações preconceituosas que aparecem de maneira oculta.
Contratar funcionários para uma vaga apenas levando em conta a sua universidade, pelo seu prestígio, ou então favorecer um homem em uma vaga porque se assume que, pela idade de uma mulher que concorre à mesma posição, ela poderá engravidar em breve são exemplos de vieses inconscientes que impedem a manifestação da diversidade.
Outro problema são as exigências das vagas, que acabam impedindo a atração de determinados talentos. Atualmente, diversas empresas, empenhadas na inclusão socioeconômica, estão eliminado o inglês como exigência para determinadas vagas, por exemplo.
Como a tecnologia pode ajudar
No mercado, existem softwares de recrutamento que dão a possibilidade de omitir algumas informações, como gênero, idade e outros dados pessoais, na análise do currículo. Essa prática é chamada de seleção às cegas. Além de omitir dados pessoais e assim eliminar vieses na contratação, algumas dessas ferramentas permitem realizar entrevistas por vídeo sem que a imagem da pessoa seja identificável.
A startup Movile foi uma das empresas que tomou atitude semelhante. Em um processo de seleção de estagiários e trainees, a promoveu o envio de vídeos para que as pessoas contassem experiências pessoais, distorcendo as imagens para ocultar a identidade das pessoas.
Retenção de profissionais
Empresas que trabalham a retenção de talentos já entenderam que é sempre benéfico quando os profissionais passem mais tempo nela. Afinal, altos índices de rotatividade geram custos às empresas, não apenas em dinheiro, mas também em tempo, além de afetar a imagem da marca.
Valores como identificação com a cultura são imprescindíveis para a permanência de um profissional em um ambiente de trabalho. No entanto, para muitas pessoas, o meio corporativo pode ser sinônimo de desgaste físico, mental e emocional, especialmente quando não se respeita a diversidade.
Um exemplo está nesta pesquisa da OutNow, que aponta que 68% dos empregados gays e lésbicas já ouviram comentários preconceituosos, disfarçados de piada, nas organizações em que atuam. Para evitar que este comportamento seja uma prática viva na empresa, é necessário trabalhar fatores que engajam colaboradores, como construir um ambiente em que as pessoas se sintam à vontade.
Um ambiente torna-se seguro quando se cria opções de ouvidoria para que as pessoas possam alertar sobre comportamentos inadequados e preconceituosos. Além de promover cursos focados em áreas corporativas, também é importante que existam cursos relacionados à maneira de se comportar e pensar na diversidade.
Como a tecnologia pode ajudar:
Há ferramentas que se tornam canais de ouvidoria para que a pessoa possa falar da sua experiência ou fazer denúncias. Os chatbots podem servir para esta função, por exemplo.
Além disso, há plataformas de gestão de desempenho que ajudam as empresas a melhorarem sua cultura organizacional. Este tipo de ferramenta oferece a possibilidade de se criar uma cultura de feedback entre colaboradores ou líderes e liderados. Com isso, abre-se caminho para discussão do que pode melhorar.
Há ainda ferramentas de RH que permitem pesquisa de clima organizacional, em que pode se conhecer as impressões dos trabalhadores e como os eles estão se sentindo, além de fazer um diagnóstico dos pontos de atenção na sua empresa.
Desenvolvimento pessoal
Empresas devem dar insumos aos seus funcionários para que eles não apenas estejam engajados mas possam evoluir profissionalmente em suas habilidades e características.
Muitos treinamentos também podem estar associados à cultura organizacional para as pessoas aperfeiçoarem as aptidões em sintonia com a cultura da empresa. Desenvolva uma agenda da diversidade, com apresentações, workshops e treinamentos que valorizem a diversidade e o engajamento de toda a companhia.
O Google é uma das empresas que possui grupos de afinidade. Desde 2014, o comitê Afrogooglers estimula o aumento do número de negros na companhia e também cria ações de conscientização e parceria com outras entidades e empresas que também apoiam a inclusão racial.
Segundo Christiane Silva Pinto, gerente de marketing da companhia e criadora do Afrogooglers, a preocupação com a diversidade se estendeu para outras áreas, como o marketing, que entendeu que era necessário fazer campanhas que refletissem a população brasileira.
Como a tecnologia pode ajudar
Na criação de planos de formação e desenvolvimento para funcionários, use ferramentas de treinamento que permitam desenhar caminhos formativos.
Estes softwares permitem centralizar em um mesmo espaço todos os cursos de recursos humanos. Por meio de entrevistas, podem detectar necessidades de formação. Também podem verificar o engajamento dos funcionários em cursos de formação.
Não deixe tudo na mão da tecnologia
É preciso ter em mente que depender apenas da tecnologia não é uma boa ideia. Embora o uso da tecnologia seja uma mão na roda para a diversidade, o tiro pode sair pela culatra. Um dos exemplos mais intrigantes de uso de tecnologia nos recursos humanos é o da Amazon.
Na tentativa de utilizar inteligência artificial para aumentar a contratação sem vieses, a empresa acabou priorizando os currículos masculinos. E por que isso aconteceu? Porque a tecnologia foi treinada para selecionar talentos com base nos currículos recebidos nos últimos 10 anos, que em sua maioria eram de homens.
“A gente costuma dizer na Mais Diversidade que por trás de um algoritmo inclusivo há, necessariamente, um programador inclusivo. E o oposto também! Por isso é tão importante que a organização considere que essa programação passe por um olhar de diversidade e inclusão”, comenta Thiago Roveri, consultor de diversidade na Mais Diversidade.
“Numa perspectiva racional, é muito mais fácil corrigir um software ou uma programação do que livrar seres humanos dos seus vieses, mas é fundamental considerar quem está por trás desse software.”